Responsabilidade social frente a Covid-19. Desafios das empresas no combate à pandemia

Nesse período que parece durar eternamente, não é exagero dizer, que houve uma revolução no modo de viver. Não cabe destacar as mudanças que vão ficar, ou o que deixará de existir. É cedo, apesar de a pandemia ter acelerado ou criado tendências.

Já é possível, porém, analisar o fenômeno mundial que surpreendeu a sociedade. Um dos aspectos positivos quando lembramos que “dormimos em um mundo e acordamos em outro”. A mobilização veloz e instantânea das empresas e de indivíduos, para auxiliar no combate à Covid-19.

Nos Estados Unidos, a filantropia é parte da cultura, principalmente na pessoa física. Basta lembrar ícones como Warren Buffett e  Bill Gates. Para citar apenas dois. Nos países europeus, a situação difere um pouco, devido ao fato da construção do bem estar social ter predominado por muitos anos. E na América Latina, temos diversas situações. Como são países, ainda em desenvolvimento, as empresas muitas vezes tiveram e têm papel importante junto ao Estado para contribuir com áreas, como saúde, educação, habitação e outras que ainda têm muita demanda.

No Brasil, especificamente, nos anos 90, começou um forte movimento, diferente da filantropia, focado na responsabilidade social das companhias e associado a reputação. Ganhou destaque na mídia com editorias e cadernos especiais. Com o tempo, deixou de ser novidade, foi aprofundado, passou a ser considerado uma ação natural das empresas. Não era mais diferencial. Estranho era não ter programas com esse foco. Não atuar de forma socialmente responsável impactava diretamente ou indiretamente nos atributos.

Independentemente da cultura ou da região do mundo, o que se viu, foram doações de cestas básicas, horas de trabalho voluntário,produtos, equipamentos e quantias milionárias.

Para dar o exemplo do Brasil, as empresas agiram de forma semelhante. A quarentena começou em meados de março e já em abril a mobilização trouxe resultados. A sociedade civil organizada agiu, na mesma direção, para estimular esse processo.

“Não atuar de forma socialmente responsável impactava diretamente ou indiretamente nos atributos”

A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que sempre procurou que o país, como muitos outros, quantificasse as doações, criou o Monitor das Doações da Covid-19, que ajudou a mobilizar e dar visibilidade às companhias. Foram de maio até  julho cerca de US$ 1,2 bilhão de dólares.

Ao mesmo tempo, a principal emissora de tevê, a Rede Globo, que por política jornalística, nunca divulgou nome das companhias, criou no telejornal de maior audiência, o especial, Solidariedade/SA, no qual diariamente, havia destaques nominais para as iniciativas empresariais. Ingrediente, que estimulou as organizações a participarem dessa campanha e terem visibilidade.

Paralelamente a esse processo de solidariedade, não eram, infelizmente, raros os casos noticiados sobre a falta de equipamentos na rede de saúde pública e privada, problemas em hospitais ou desvios cometidos pelo poder público, justamente para onde esses recursos  eram destinados.

Neste cenário complexo, não só pela pandemia, mas pela incerteza do trajeto das doações, ainda há questões como garantir storydoing, storytelling, e se a ação está ligada ao propósito. Não é só. Em meio a tanta informação, como construir ou manter, com a iniciativa, o legado da companhia.

“Neste cenário complexo, não só pela pandemia, ainda há questões como garantir storydoing, storytelling, e  como construir ou manter, com a iniciativa, o legado da companhia ”

Para cumprir essa jornada, as empresas têm ao menos três desafios:

1. Identificar e validar para quem doar

Há um check list. Um deles é a coerência. Faz sentido uma ação externa, com visibilidade ou não, quando meses depois será necessário demitir colaboradores. É um contrassenso beneficiar a sociedade e, em seguida, realizar cortes internos.

A ONG ou a instituição escolhidas precisam estar associados ao propósito da companhia. Caso contrário, a ação fica solta, o que torna muito mais complexo o storydoing e o storytelling e como trabalhar o legado.

A checagem da reputação,trabalhos já realizados pela da ONG e a credibilidade da instituição são vitais para evitar uma crise de reputação.

Integração e agilidade

A situação exige novas formas de trabalho. O trabalho entre as áreas envolvidas (marketing, comunicação, responsabilidade social e compliance) têm que ser integrados para  garantir a agilidade e concretização. Não só. Respaldar ainda iniciativas mais complexas, como importação de equipamento, problemas decorrentes e a rápida solução.

“A checagem da reputação,trabalhos já realizados pela da ONG e a credibilidade da instituição são vitais para evitar uma crise de reputação”

2. Acompanhamento do caminho da doação percurso até o destino final (Tracking)

Decididas as organizações e instituições, o desafio é saber se o recurso chegou. É necessário ter controles durante todo processo. O mapeamento prévio de todos os pontos e sinal de alerta caso haja qualquer empecilho durante o trajeto é fundamental.

O alerta chegou. É preciso entender rapidamente o ocorrido, acionar os atores da empresa que participaram do projeto e ser transparente internamente para ganhar velocidade na resolução. Caso contrário, pode gerar ruído de comunicação.

O percurso é cumprido corretamente. Excelente. Não para aí. É necessário entender a diferença que fez para a comunidade e pessoas. E evidenciar a transparência do processo. O report apenas do total de beneficiados, infelizmente, entrará só como mais um número .

3. Reportar para todos os stakeholders, narrativa social e storydoing

A trajetória está no fim. Planejar faz toda a diferença porque fica praticamente impossível falar de storydoing e storytelling. O resultado do legado fica comprometido.

Em vez de haver histórias humanas, os reports ficam restritos a contabilização do montante. E com muita sorte, a quantidade de pessoas beneficiadas.

Uma matéria no veículo de maior audiência ou a  exposição no site e nos canais próprios da companhia apenas não emocionam. São, infelizmente, facilmente esquecidos e não agregam ao legado.

A informação, apenas descritiva, é igual a da  maioria das companhias. Não só da sua. A empresa será mais uma nesse contexto. O mais complexo foi fazer o bem. Por que não comunicar da melhor maneira?

Oportunidade

O momento para as empresas assumirem o seu papel perante a sociedade e contarem de forma responsável, além de necessário, tornou-se mais favorável porque vários atores têm se mobilizado com esse foco.

No Brasil, por exemplo, houve aumento expressivo, se comparados, ao US$ 1,2 bilhão de dólares doados até o fim de julho aos US$ 640 milhões contabilizados  pelo censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), durante todo o ano de 2018 (dado mais recente). Outra boa notícia é o aumento de 7%, em agosto de 2019, antes da pandemia, da  percepção positiva do brasileiro ao trabalho das  ONG´S  se confrontado com a mesma enquete feita em 2018. Os dados são do relatório Brasil Giving Report 2020, responsável por  identificar a cultura da doação no país.

O levantamento faz parte da série internacional do CAF Global Alliance, com números da África do Sul, Austrália, Bulgária, Canadá, EUA, Índia, Rússia e Reino Unido. Foram entrevistadas mil pessoas online e levado em conta os perfis demográficos. Nos outros países, o Giving Report  faz parte da cultura, porque esse movimento está mais consolidado.

Esse panorama significa, concretamente, que ainda há muito espaço para trabalhar conjuntamente legado e reputação alinhados a comunicação.

“O mais complexo foi fazer o bem. Por que não comunicar da melhor maneira? ”

Autores

Juan Carlos Gozzer
Adélia Chagas