VOZES NA INCERTEZA: UMA VISÃO DA LIDERANÇA DO CONE SUL EM UMA PANDEMIA

O BOM, O RUIM E O QUE SE PODE ESPERAR

Uma das questões mais importantes na dinâmica de reputação, finanças, e de negócios é o gerenciamento de expectativas que se criam em relação ao futuro, aos resultados e, finalmente, sobre como as coisas estão indo. O mundo, há muito tempo, tem se movido em torno da confiança.

Políticos, CEOs e, no geral, pessoas em cargos de liderança, sempre trabalharam no gerenciamento da confiança e das expectativas. Não cumprir o prometido ou prometer o que não se pode cumprir são alguns dos maiores erros no mundo do gerenciamento de reputação. As pessoas esperam storytelling e storydoing dos líderes.

E o que nos move em meio ao confinamento e a pandemia da COVID-19 são as expectativas. Como agem diante da crise os nossos governos, empresários, meios de comunicação e qualquer outro tipo de organização ou pessoa que precisa tomar decisões? Quando voltaremos à normalidade (se voltaremos)? O que acontecerá com nosso trabalho e nossa empresa? Quando (e se) encontraremos uma vacina contra o vírus?

Em um momento de incerteza global sem precedentes imediatos, a sociedade (como um todo e em grupos de stakeholders) busca referências que possam transmitir confiança e servir como ponto de apoio nessa jornada complexa.

Em todo o mundo, vimos o surgimento de líderes – políticos, empresariais, entre outros – que deram um passo à frente, ao mesmo tempo que vimos o colapso de outros sobre os quais recaem grandes expectativas ou responsabilidades.

O que caracteriza essa liderança em tempos da COVID-19 e como isso pode mudar a maneira como vemos o futuro?

“Em diferentes países e contextos, os líderes emergentes desta crise falam clara e diretamente. As boas notícias são escassas, e as más são dadas com sinceridade”

1. OS LÍDERES EMERGENTES, PRÓXIMOS E SINCEROS

 

Em meio a pandemia, vimos as ações de proximidade como um elemento-chave na liderança. Essa proximidade se manifesta não apenas pela empatia gerada (em uma circunstância comum a todos), mas também na linguagem verbal e não verbal.

Em diferentes países e contextos, os líderes emergentes desta crise falam clara e diretamente. As boas notícias são escassas, e as más são dadas com sinceridade.

CEOs e líderes políticos se manifestam através de transmissões on-line de suas casas e/ou escritórios de trabalho (no caso de governos) e, muitas vezes, com menos protocolo do que em outras circunstâncias. A confiança não reside na capacidade de antecipar o futuro, que não é possível, mas em ler o presente de perto e com honestidade.

Líderes como o Governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, é um exemplo claro disso. Quem até poucas semanas atrás era uma figura menos conhecida na imprensa mundial, agora é percebido como um dos líderes na luta contra o Coronavírus, graças à sua capacidade de empatia:

“É rigoroso com os dados, mas ao mesmo tempo usa a linguagem popular. Procura exemplos práticos e histórias humanas para alcançar o mundo inteiro. Fala sobre sua mãe como parte de um grupo vulnerável, expõe suas preocupações e conversas mais íntimas com sua família”.

Por sua vez, a atuação do Ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, durante a gestão da pandemia, levou a popularidade do seu Ministério a atingir 76%, contra 33% do apoio às ações do Presidente Jair Bolsonaro. As chaves para essa popularidade estão não apenas no confronto que ele conseguiu manter com as posições de Bolsonaro, mas também em sua maneira próxima e pedagógica de explicar e transmitir informações. Sempre vestindo a camisa e o colete com o logotipo do Sistema Único de Saúde (SUS) estampado, Mandetta consegue transmitir essa proximidade e honestidade em sua linguagem verbal e não verbal. E isso é um diferenciador para os líderes que emergirão dessa crise.

No outro extremo, a falta de empatia de muitos líderes os colocou em segundo plano, reforçando a ideia de que a liderança não vem do cargo escrito no cartão de visita, mas da maneira como se age especialmente em tempos difíceis.

A senadora paraguaia Maria Eugenia Bajac está sob o foco do Ministério Público de seu país depois de burlar a quarentena e se recusar a fazer o exame de COVID-19 após voltar de uma viagem ao Peru em meados de março. Ainda assim, a parlamentar participou das sessões do Senado sem seguir as orientações de precaução, o que lhe rendeu inúmeras críticas, tanto de seus colegas como dos cidadãos por meio das redes sociais.

Hoje, a cidadania tem um papel preponderante e um número infinito de ferramentas para fazer com que os líderes sintam a pressão quando parecem subestimar a situação.

2.     AS PESSOAS E A ECONOMIA

 

Nunca antes uma crise expôs tanto a tensão entre as pessoas e a economia. É fato que uma das reflexões, dentre muitas, que essa pandemia nos deixará é a validade de nosso modelo econômico, de sociedade e a liderança que queremos. O mundo não será mais o mesmo.

Os líderes emergentes desta crise priorizaram as pessoas em detrimento de seus resultados.

Muitos CEOs em todo o mundo têm sido fortes na proteção e no cuidado de seus colaboradores, enquanto outros (políticos e empresários) não escondem sua maior preocupação com a economia e a continuidade dos negócios frente à saúde e o bem-estar das pessoas.

No Brasil, o proprietário e chef de uma grande rede nacional de hambúrgueres, divulgou um vídeo no Instagram com declarações minimizando a relevância das mortes pelo novo Coronavírus diante do impacto na economia causado pelo confinamento social.

As declarações rapidamente se reverteram em uma rejeição geral da sociedade e de outros chefs de renome, e sua rede de restaurantes agora é alvo de um boicote por parte dos cidadãos.

Por outro lado, no Chile, um grupo de empresários se reuniu para criar um fundo de ajuda que levantou aproximadamente US$ 40 milhões nas primeiras 24 horas .

O valor se constrói com base em talentos e pessoas. E a liderança apoiada em indivíduos como parte importante do propósito das marcas e empresas é tão evidente quanto a fraqueza que muitas empresas têm hoje em sustentar com fatos o seu discurso de valor.

“Os líderes emergentes desta crise priorizaram as pessoas em detrimento de seus resultados”

3.    TRANSPARÊNCIA DIANTE DA INCERTEZA

 

Embora considerado um elemento-chave da gestão atual, o exercício da transparência tornou- se, em muitos casos, uma via de mão dupla: muito válido para boas notícias e menos usado para as más.

A atual crise da COVID-19 mostrou que a transparência, juntamente com a coerência, é um requisito básico desses líderes emergentes: administrar as expectativas não se baseia em wishfull thinking, mas em dar, em primeira mão e pela voz do CEO todas as notícias, por piores que sejam. Não podemos subestimar a capacidade de apreensão de nossas equipes de trabalho. A informação também chega até eles.

Junto com isso, a coerência em assumir as limitações das ações ou erros nas decisões diárias colocou os novos líderes em um local de maior confiança.

Em Milão, capital de um dos epicentros da pandemia na Itália, o prefeito Giuseppe Sala pediu desculpas publicamente pelo lançamento da campanha “Milão não para” no final de fevereiro, durante o surgimento da crise.

Como ele, muitos líderes têm demonstrado uma capacidade constante de admitir erros de gerenciamento em meio à crise.

Apesar de ter doado quase US$ 1 milhão para combater o novo Coronavírus , o astro brasileiro Neymar foi fortemente criticado por publicar fotos com amigos em sua casa durante o período de quarentena, descumprindo as recomendações das autoridades e destacando o peso da coerência nas ações dos líderes.

Na Argentina, o presidente Alberto Fernández foi um dos primeiros líderes a impor medidas de isolamento social na América Latina.

Diante da incerteza, o Presidente argentino foi transparente em suas ações, sem antecipar ou se comprometer com prazos fixos. Seu pronunciamento mais recente, em que ele anunciou a extensão da quarentena e outras medidas de proteção, recebeu o apoio de grande parte da população.

Em tempos como esses, não se espera que um líder seja infalível, mas transparente. A incerteza sobre o que está por vir é comum a todos. De qualquer forma, o líder deve ter a capacidade de permanecer calmo e não parecer saber tudo mas, em vez disso, mostrar-se como uma pessoa que possui todos os cenários em análise permanentemente.

4.     COMUNICAÇÃO, A CHAVE PARA A CONTINUIDADE DOS NEGÓCIOS

 

A incerteza da crise e o confinamento social valorizam mais a importância da comunicação como um elemento-chave na continuidade dos negócios, não apenas do ponto de vista produtivo, mas também de valor e propósito.

A comunicação interna, com os colaboradores que estão trabalhando em casa ou se expondo ao risco para darem seguimento às tarefas essenciais presencialmente, é vital. Comunicação é proximidade quando ela mais é necessária.

Empresas e líderes que optaram por fortalecer sua comunicação interna emergirão mais fortes quando tudo passar. Aqueles que não, terão uma jornada para muito além da pandemia.

Um exemplo é Daniel González, CEO da YPF na Argentina, que enviou um vídeo aos colaboradores da empresa, agradecendo a todos pelo esforço e observando que “são tempos dificílimos” . Não se trata de comunicar apenas o bem. Os líderes devem assumir a responsabilidade pelas más notícias também.

Junto com isso, é preciso pensar a comunicação externa. Os líderes emergentes da crise conhecem sua importância como líderes de opinião em tempos de incerteza e notícias falsas. Além disso, eles reorientaram suas estratégias de comunicação, tanto para reforçar o sentimento de pertencimento dos colaboradores ao ver impactos externos, quanto para ter uma voz ativa na sociedade.

Luiza Trajano, que chefia o Magazine Luiza, uma das maiores redes de varejo do Brasil, tem sido uma das vozes mais importantes durante a crise, pedindo calma a todos os empresários do país e evitando ao máximo as demissões. Sua influência e presença no debate nacional trouxeram uma mensagem de calma para muitas organizações.

A comunicação é, para esses líderes, uma ferramenta chave para a continuidade dos negócios.

Ainda assim, é possível ver como muitas empresas priorizam a redução da comunicação – em muitos casos, certamente inevitável – como a primeira opção de um plano de ajuste, ignorando a importância que ela tem para a continuidade dos negócios. Devemos saber que esta crise passará e haverá um “dia seguinte”. Talvez nunca antes, a humanidade teve a possibilidade de desenvolver um plano de comunicação colaborativa.

O desafio que surge é mudar o modelo de comunicação, os canais e os formatos.

“A incerteza da crise e o confinamento social valorizam mais a importância da comunicaçao”

5.    UM PASSO À FRENTE E NÃO PARA O LADO

Em tempos de crise, a sociedade exige atitudes e rostos. As empresas, assim como os governos, sabem que seus CEOs e executivos são seu principal ativo para ter uma voz credível e confiável na sociedade. Os novos líderes emergentes dessa pandemia demonstram uma alta capacidade de gerenciar “sua voz” por meio de canais digitais, e alinhando suas percepções com o objetivo da empresa.

O Presidente e CEO da Marriott International, Arne Sorenson, foi um dos líderes que, nessa linha, usou sua conta no LinkedIn para publicar um vídeo no qual, com uma mensagem direta e transparente, abordou o impacto da COVID-19 na atividades da empresa, conversando sobre cortes de gastos e fechamento de hotéis, entre outros.

No Chile, uma mensagem de WhatsApp de Guillermo Tagle, Presidente da Credicorp Capital no país, viralizou entre empresários e em redes sociais. Nele, Tagle pediu ação e refletiu a partir de um ponto de vista profissional e pessoal sobre as implicações da pandemia na sociedade.

Mas esse fenômeno não é intuitivo, nem espontâneo. Os líderes que hoje são referências no debate trabalham há muito tempo na construção de suas identidades digitais, seus posicionamentos na sociedade e na construção de suas mensagens.

Mas infelizmente, nem todos dão esse passo a diante. No Brasil, o Presidente de um grupo financeiro burlou a quarentena para ir à praia com um grupo de pessoas, depois de receber um diagnóstico positivo para a COVID-19.

6.     UMA NOVA DINÂMICA DE COLABORAÇAO

 

A crise da Covid-19 também colocou à prova a capacidade dos líderes de agir sob uma nova dinâmica de colaboração.

Mesmo isolados, nunca foi tão importante que todos estivessem juntos e se ajudassem. Os líderes emergentes descobriram como trabalhar em sintonia com outros líderes, governos e com outras empresas, especialmente em dois aspectos: compartilhar experiências e agir em conjunto.

Sendo uma crise global, comum a todos, é possível extrair bons e maus exemplos e práticas de outros países, mercados, setores, inclusive pelo fato de que a disseminação da doença no mundo ocorre em diferentes estágios entre os países.

Em algum lugar do mundo, alguém já enfrentou os cenários de fechamento de negócios, confinamento e lockdown. A capacidade de extrair o “benchmark social” de outras experiências pode representar uma tomada de decisões correta e rápida. E isso pode ser um ponto de sobrevivência para pessoas e empresas. Não fazer isso é um disparate que os líderes de hoje não podem cometer.

A SMA Brasil, subsidiária de uma empresa alemã de tecnologia solar, lançou recentemente a iniciativa SMA Solar Academy, que inclui 10 sessões de webinar em que a empresa compartilha, gratuitamente, conteúdo e formação sobre tecnologia solar.

Da mesma forma, novas maneiras de trabalhar em equipe serão outro legado positivo do triste capítulo da história dos negócios gerado pela Covid-19.

Embora lideranças possam ser construídas, há líderes que têm “dons” naturais. Em ambos os casos, essa liderança não pode ser individual, mesmo que pareça contraditória. Junto aos líderes emergentes, há sempre uma equipe.

Esse trabalho em equipe é fundamental. A distância física do confinamento é complementada por espaços de reflexão comum. Um exemplo são as campanhas lançadas em vários países.

Na Argentina, #SomosResponsables foi talvez uma das atividades de comunicação mais importantes dos últimos tempos, quando a imprensa se alinhou para compartilhar a capa dos jornais sob o mesmo argumento que o próprio governo pediu: “…me ajude a informar com responsabilidade”. Junto com esta campanha, grande parte do setor empresarial, organizações do terceiro setor e o público em geral puderam acompanhar em seus canais de comunicação com a referida # – que circula até hoje – como um legado da reação do povo argentino.

E isso também se aplica ao trabalho colaborativo entre os setores público e privado e entre privados. “ Isolar-se “ pode ser uma vantagem a curto prazo, mas a longo prazo não trará nenhum benefício. Ao contrário. A pandemia passará, mas as atitudes permanecerão.

Com a pandemia, por exemplo, vemos casos louváveis das empresas de bebidas e perfumes que começaram a produzir álcool gel para suprir hospitais. Os serviços de aplicativos de entrega rápida se estabeleceram como os principais agentes na promoção do comércio e abastecimento. Existem muitos outros exemplos de como o trabalho em rede, alinhado ao propósito das empresas, pode ser um elemento essencial do desenvolvimento da sociedade empresarial.

Todos esses atributos de liderança são testados em situações de crise extrema. Em nome do bem comum, todos os líderes enfrentam cenários totalmente excepcionais, como o fechamento obrigatório de empresas, o confisco da produção ou até o risco de falência. Os novos líderes devem usar cada vez mais a flexibilidade e a resistência de “cenários de guerra” e se consolidar como gerentes especializados em crises.

O PROPÓSITO É DETERMINANTE

 

Em dias de mais perguntas do que respostas, o sentimento de que a sociedade resultante dessa crise será diferente daquela que conhecemos até agora fica cada vez mais forte.

E nessa sociedade, novas lideranças surgirão ou serão consolidadas – é o que esperamos. E na memória coletiva permanecerá a imagem das empresas que fizeram mais parte da solução do que do problema.

Não surpreende que este “dia seguinte” venha acompanhado de uma prestação de contas pelo que foi feito e o que não foi feito. Novos líderes, com características como as descritas acima, serão responsáveis por reativar a locomotiva da sociedade.

Por esse motivo, em épocas como essa, trabalhar com um propósito é decisivo.

Sem dúvida, certos processos que o mundo já estava experimentando acelerarão, como a transformação digital ou flexibilidade em questões trabalhistas. Novos atores surgirão, alguns se transformarão e outros desaparecerão. Mas a oferta e a demanda continuarão existindo, fiéis à teoria econômica. Depende das pessoas e de nós mesmos sermos capazes de reagir e se adaptar o mais rápido possível a esse “novo” mundo.

Neste motor de mudanças, esses novos líderes estarão na frente. Outros, que não perceberam, verão isso tudo passar e, com sorte, poderão acenar nostálgicos com as mãos.

“O sentimento de que a sociedade resultante dessa crise será diferente daquela que conhecemos até agora fica cada vez mais forte”

Autores

Juan Carlos Gozzer
Cleber Martins
Mariano Vila
Marcos Sepúlveda

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