O CHAMADO PELA DISRUPÇÃO EM UMA INDÚSTRIA ALTAMENTE REGULADA

Da infusão que salvará a vida de um paciente com enfermidade ultrarrara ao cigarro eletrônico, da fórmula nutricional infantil ao alisante de cabelo, do inseticida para lavouras ao desinfetante de uso doméstico, um universo de produtos, de alguma forma, absorvíveis pelo corpo humano estão sujeitos a uma regulação mais estrita do que os demais. Na maior parte do mundo ocidental, trata-se de uma regulação que vai definir como se rotula, se aplica, se embala, se vende, se distribui, se comunica… se é que tudo ou parte disso será permitido. No caso brasileiro, que nos serve de recorte, é na estrutura do Ministério da Saúde que estão as agências, fundações e autarquias responsáveis por esta regulação.

Não bastasse a limitação imposta pelos agentes reguladores ao longo dos períodos 2014/2015 e 2019/2020, vimos o empoderamento das associações consolidar-se com a onipresença dos macro e micro influenciadores e a inevitabilidade das redes sociais. Pensar em mobilização política por meio de redes sociais podia ser novidade em 2011, quando a Primavera Árabe abalou o status quo ao Norte da África por meio de encontros marcados também via Twitter.

Enquanto empresas da economia compartilhada, notadamente a Uber e o Airbnb, abriram o caminho de uso do big data para conhecer a fundo e exercer influência sobre e a partir de suas comunidades de interesse, outro setor ambiguamente tradicional e inovador está pavimentando a trilha que, por meio das ações de advocacy, levam ao fim mais essencial e comum entre todas estas empresas: a obtenção da licença social para operar.

Com base no cenário brasileiro e em uma demanda crescente por ações de grassroots, vimos como a indústria farmacêutica vem obtendo uma taxa de sucesso maior do que outros setores, considerando-se como fator crítico de sucesso a obtenção de uma resposta positiva, ainda que com restrições, do regulador.

Ora, se a volatilidade, a incerteza, a complexidade e a ambiguidade se apresentam como características de um mundo no qual o sucesso de um negócio depende cada vez mais da comunicação entendida como capacidade de gerar engajamento, a que desafios a indústria farmacêutica têm respondido com um sucesso que poderia servir de benchmark a outros setores?

“O setor farmacéutico está pavimentando a trilha que, por meio das ações de advocacy, levam ao fim mais essencial e comum entre todas estas empresas: a obtenção da licença social para operar”

Desafio 1: escutar e entender as comunidades

O primeiro desafio a evoluir vem da resposta que os governos e legisladores estão dando ao uso de informações pessoais por meio de aplicativos e ferramentas que coletam, armazenam e repassam big data.

Para além da questão jurídica, que ainda é objeto de debate sobre como deve se efetivar na prática, estas legislações são sintomáticas de uma tomada de consciência mais ampla em parcelas da sociedade sobre a identificação e manipulação de dados pessoais para fins comerciais ou políticos, o que já mostra sinais de rechaço a algumas redes sociais e marcas.

Desafio 2: o protagonismo

Esta resposta da indústria nos leva a um segundo desafio, o do protagonismo. Campanhas de grassroots tradicionais e as de cunho político pré-Brexit traziam sempre a digital de um candidato ou corporação com um interesse egoístico claro (vitória eleitoral ou lucro), ainda que derivasse em eventual benefício comunitário.

No caso da campanha eleitoral de 2018 no Brasil, são sintomas as manifestações “eu sou Caixa 2 do Bolsonaro” em camisetas ou cartazes feitos às custas do próprio eleitor em defesa de seu candidato. Mesmo a disseminação de informações políticas por WhatsApp triunfou justamente pela sensação de proximidade com o suposto autor da mensagem, a rede de contatos diretos.

Por isso mesmo, nos parece mais sustentável a solução adotada por parte indústria farmacêutica em seu advocacy.

Desafio 3: Fake News

Aliás, assumir um papel mais educativo do que de porta-voz ou de catalisador de campanha permitiu que as farmacêuticas que acompanhamos vencesse o terceiro desafio latente ao contexto atual, o das fake news.

Um exemplo do dano causado pela disseminação de notícias falsas tanto à sociedade quanto às corporações é o do recrudescimento de doenças que pareciam sob controle além de prejuízos de companhias do setor de vacinas como resultado de movimentos antivacinação.

Parte dessa resistência, se deve pela dificuldade de encontrar um protagonista ou de formar especialistas que estejam fora de sua esfera de influência direta ou da dos governos. Isso evidencia o quanto ainda é verdadeiramente disruptivo para este setor, assim como para a maior parte das corporações, percorrer a trilha que alia conhecimento vertical a comunicação horizontal.

“Assumir um papel mais educativo permitiu que as farmacêuticas que acompanhamos vencesse o terceiro desafio latente ao contexto atual, o das fake news

Um caminho disruptivo por si só

Trata-se de um contexto no qual todos nos inserimos, alternando papéis entre sujeito e objeto em nível individual.

Para aquelas que escolhem liderar e contribuir para o controle das narrativas que afetam seus negócios, a natureza evolutiva deste caminho se revela disruptiva por si só. Isto quer dizer que ainda se apresentarão outros desafios para os quais teremos que buscar resposta.

Por outro lado, também significa que as lições de transparência, de investir no caráter informativo e de abnegar ao protagonismo formam um legado que pode guiar nossos passos de forma mais segura.

Autores

Thyago Mathias
Tuca Figueira

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