Ativismo empresarial: a “Res Publica” pede passagem

Os espanhóis confiam menos nos empresários que nos padres, embora mais que no Governo e nos partidos políticos.  A saúde de nossas instituições foi prejudicada por mais de uma década de crise econômica, casos de corrupção política e econômica e um progressivo aumento da desigualdade, que não oferece sinais de diminuição. Tudo isso culminou em um coquetel explosivo no centro do sistema democrático de valores, cujas consequências observamos hoje na forma de movimentos populistas na política e em uma atitude de desconfiança da sociedade em relação às organizações que a estruturam (partidos políticos, sindicatos, empregadores).

Há uma mudança de paradigma na forma como os cidadãos se relacionam com as organizações que os representam ou que viabilizam sua participação. O novo cidadão fiscaliza, orienta e dita, a partir de seu observatório digital, exige transparência radical de tudo o que acontece na Ágora, mas não é um árbitro equânime. Isso quer dizer que, quando se conecta emocionalmente com causas e discursos, adere e participa ativamente, tornando-se o prescritor de quem as promove. A tecnologia revolucionou o estagnado esquema de interações sociais e políticas.

Associações empresariais

Nesse esquema tradicional, as associações empresariais têm desempenhado um papel muito importante nos sistemas democráticos ocidentais. Na Espanha, nos anos 80, elas participaram da construção do Estado de Bem-Estar da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE) e sua interlocução com o Governo e com os sindicatos. Durante anos de grande atividade legislativa e forte atuação sindical, o diálogo do triângulo regulador-empregador-trabalhador funcionou e permitiu acompanhar o desenvolvimento econômico e os avanços sociais.

Acreditamos que, durante a última década, as associações empresariais acrescentaram mais um trabalho além destes anteriores: a defesa de sua reputação. E dizemos defesa de sua reputação como um movimento reativo para proteger sua órbita de atuação.

Isso ocorre em razão de três fatores:

  • Suas próprias decisões e atitudes
  • Crescente desconfiança cidadã diante das organizações
  • Uma superrepresentatividade das micro-minorias

Bons exemplos disso são os setores bancário, energético e de serviços

Desde o início da crise econômica na Espanha (2008-2009), as associações empresariais assistiram à erosão de sua influência, o que afetou a sua capacidade de impactar o quadro regulatório e legislativo (atividade de lobbying) e de ter um papel ativo e reconhecido na sociedade. É um círculo vicioso: o aval social é construído a partir do aval político, mas para ter o aval político é necessário obter o aval social. Quanto mais particular e mais distante do interesse geral está o interesse percebido que uma associação defende, menos influência ela terá.

“As associações empresariais têm desempenhado um papel muito importante nos sistemas democráticos ocidentais”.

Cada vez mais atores competem entre si por um espaço limitado: o do debate público. Assim, conseguem menos presença na agenda pública e, como em efeito dominó, têm menos relevância, legitimidade e influência. A perspectiva se perde quando o horizonte de assuntos aos quais uma entidade se dedica se reduz estritamente aos seus e essa situação é percebida pela opinião pública e pelas instituições.

Ativismo Empresarial

Da mesma maneira que existem vários fatores que explicam a perda de notoriedade das associações empresariais, há também mais de uma solução, embora aqui nos centremos na que consideramos mais urgente: como devolver aos empresários um discurso atraente, que imprima relevância e adesão às partes iguais. Eles podem recuperar a influência na esfera política e social.

Propomos que eles se convertam em agentes de transformação. Ou seja, que a sociedade perceba as associações empresariais como referências no enfrentamento dos desafios globais. Isso não significa substituir os políticos, mas colaborar com estes nas respostas às demandas cidadãs, mas também o contrário: trabalhar lado a lado com os consumidores, clientes e cidadãos na demanda de soluções e medidas para os atores políticos.

É o que chamamos de Responsabilidade Política Corporativa (RPC) : contribuição ativa e voluntária que as empresas realizam para a formulação de políticas públicas que melhorem o bem-estar dos cidadãos e protejam seus direitos.

Existem, principalmente, duas áreas para trabalhar a RPC:

  1. Esfera legislativa. Trabalhar para aprovar uma nova legislação ou modificação da atual fazer lobbying.
  2. Esfera do debate público. Intervir no debate político a favor ou contra certos assuntos públicos.

 

Nossa proposta é aplicar essas técnicas ao associativismo empresarial como uma ferramenta de fortalecimento da reputação. As organizações empresariais têm como missão legitimar a licença para operar de todos os seus membros e a Responsabilidade Política, como instrumento, é algo que demonstrou ter uma alta capacidade de gerar ordem e legitimidade.

A seguir, apontamos duas táticas usadas nas estratégias de responsabilidade política ou lobbying for good:

  • Coalition building ou construção de alianças. Definir um tema na agenda pública se trabalhe em coordenação com outras organizações para apresentar uma frente comum.
  • Grassroots, que definimos como o direito das comunidades de se unirem e influenciar nos assuntos que afetam seu dia a dia.

O cidadão faz mais política a partir do consumo do que das urnas, portanto, o que torna uma demanda crescente é o fato das marcas se comprometerem com se posicionarem e estimularem políticas públicas de interesse geral. existe o risco de que alguns cidadãos penalizarem uma empresa ou setor pela opinião formulada pela corporação ou por alguns de seus líderes.

Quanto à escolha de questões que merecem ser objeto de uma campanha de RPC por parte de um setor econômico, deve-se ponderar corretamente para causar impacto entre os consumidores, mas sem que estes entendam que a campanha apenas busca benefício econômico de seus promotores.

Em resumo, a Responsabilidade Política aplicada às associações empresariais fornece às empresas um discurso de amplo espectro, de maior legitimidade social, que ajuda na percepção que o cidadão ou consumidor têm delas e que ajuda na sua relevância como interlocutora diante das administrações públicas, com o qual  precisará continuar gerenciando sua lista tradicional de reivindicações e questões. Os cidadãos saberão como recompensar as instituições que se tornam ativistas de causas de interesse geral e que olham além de seus interesses particulares.

A res publica pede passagem. É hora de abrir a porta.

Autores

Carmen Muñoz Jodar
Carlos Ruiz Mateos

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