Os 5 passos que o Facebook deveria seguir em sua crise

QUAIS OS FUNDAMENTOS DA CRISE

O Facebook não é a primeira rede social que se dedica a obter nossos dados pessoais. E, tampouco, podemos dizer aos usuários que apenas agora sabemos que o produto da rede são nossos dados. Todos nós sabíamos que, se não pagávamos pelo uso do Facebook, Google ou Twitter, era porque alguém estava explorando o petróleo no qual os dados pessoais se converteram. A mineração de dados subjacentes estava se tornando um vantajoso negócio para empresas que estavam buscando posicionar seus conteúdos segmentados em nosso mural do Facebook. E todos nós aceitamos o jogo em troca de manter e seguir as vicissitudes de nossos amigos e sermos capazes de relatar as nossas a eles.

Como Enrique Dans comenta em um post recente, “isso vem ocorrendo desde a época dos aplicativos de jogos, como o FarmVille, MafiaWars ou PetSociety”. E o problema não é que isso possa ser feito, é que esta é a essência do negócio do Facebook. É parte do seu core colocar nas mãos de centenas de desenvolvedores no mundo seu API, para que estes possam desenvolver campanhas de marketing segmentadas. Estávamos todos cientes do que estava acontecendo quando assinamos, sem ler, as condições de uso e aceitamos a propaganda descaradamente segmentada no qual o Facebook revelava sobre aspectos de nós mesmos e talvez tivéssemos preferido nem sequer estar conscientes. Lembro-me de um artigo que escrevi sobre o tema, há alguns anos, para a Desenvolvendo Ideias, em parceria com a minha colega Beatriz Moreno, sobre como os grandes players iriam desempenhar um papel determinante no momento de definir uma agenda informativa e política. Já nos referíamos, naquela época, ao Facebook Articles. Com o tempo, o caso Cambridge Analytica nos trouxe um quadro ainda mais perturbador sobre serem conhecedores de como é possível condicionar o voto de 50 milhões de pessoas nas últimas eleições norte-americanas ou no caso do referendo Brexit. Assim disse Christopher Wylie, cérebro da Cambridge Analytica, a principal fonte do The Guardian e do New York Times, a quem se atribui ser a mente capaz de criar a inteligência para influenciar ambos processos na empresa britânica.

Acrescentemos à isto, as inquietantes revelações feitas pelo vice-presidente do Facebook, que jogaram mais combustível ao incêndio. “A feia verdade é que acreditamos tanto em conectar pessoas que qualquer coisa que nos permita conectar mais pessoas e com mais frequência é, de fato, boa”, afirma o memorando intitulado “O Feio”. O memorando de Bozworth revela que eles estavam cientes dos riscos físicos e sociais que o Facebook podia gerar. “Talvez alguém morra em um ataque terrorista coordenado a partir de nossas ferramentas”, e continua. “Nós conectamos pessoas”, diz ele. “É por isso que todo o trabalho que fazemos para crescer é justificado”.

COMO ATUAR AO SABER DO CASO DA CAMBRIDGE ANALYTICA

Em meio a tudo isso, a atitude de Mark Zuckerberg, que demorou mais tempo do que deveria para oferecer uma primeira explicação morna, pelo seu mural no Facebook, é claramente insuficiente. Em seu primeiro posicionamento, ele pede desculpas, de forma implícita e pouco clara, apontando que algumas soluções serão postas em prática para proteger os dados de seus usuários.

Até este momento, tanto autoridades norte-americanas quanto britânicas, haviam solicitado uma declaração. O presidente do Facebook, no entanto, decidiu comparecer apenas nos EUA e, ao invés disso, colocou, alguns dias depois, uma segunda declaração em seu mural no Facebook, a partir de um vídeo comunicado e, aí sim, concedeu uma única entrevista à CNN. Metade do mundo esperava que, de pronto, Zuckerberg respondesse com indiferença e tentando não se expor muito.

 

Mas enquanto isso, também foram tomadas outras decisões com a intenção de proteger melhor os dados dos usuários. Em um comunicado, o Facebook assegurou: “ouvimos alto e claro que as configurações de privacidade e outras ferramentas importantes são muito difíceis de encontrar, e que devemos fazer mais para manter as pessoas informadas”. Assim, anunciaram “novos atalhos de privacidade”. O usuário terá um menu onde poderá controlar seus dados “com apenas alguns toques” e com explicações “mais claras” sobre como funcionam os controles. Além disso, o acesso ficará mais “evidente em nosso mural”.

O Facebook também lançou uma ferramenta para pesquisar, baixar e excluir os dados pessoais gerenciados pela empresa. A companhia também adiou o lançamento de seu aguardado microfone inteligente, de acordo com a Bloomberg.

QUAIS SÃO OS EFEITOS DAS DECISÕES

Por fim, chegarão ao Facebook as consequências por haver gerado um modelo de negócios que expõe nossos dados à mais absoluta manipulação. E agora, o menos importante será saber se estes estavam cientes disso ou demonstraram ingenuidade ou inocência com o que os desenvolvedores iriam fazer. O certo, e o que é mais do que provável, é que a crise esteja apenas começando para o Facebook e para as sete grandes empresas da Internet que, segundo dados do jornal Cinco Días, perderam um quarto de bilhão de euros após a crise do Facebook. Curiosamente, o Twitter tem liderado as perdas à frente do Facebook. Uma queda de 21 % para a rede do passarinho azul, 18 % no caso do Facebook (É verdade que o desempenho melhorou depois da ida de Zuckerberg ao Congresso e no Senado dos EUA) e 11 % para o Alphabet, da Google. Está claro que os investidores estão com medo e fugiram, assustados com as possibilidades de uma regulação mais rigorosa. Não há nada mais covarde do que o dinheiro.

Imagine se isso tivesse acontecido sob o novo Regulamento Europeu de Proteção de Dados, que entra em vigor no próximo mês de maio e inclui sanções muito importantes. De até 4 % do volume total e anual do negócio, com base no exercício anterior.

Mas, provavelmente, haverá mais consequências. O caso Cambridge Analytica abre, sem dúvida, na União Europeia, batalhas por desejos regulatórios e envolverá a reestruturação das regras do jogo para os grandes players que comercializam nossos dados pessoais. Álem disso, isso levou a uma quebra de confiança, como José Antonio Llorente, presidente e sócio fundador da LLORENTE & CUENCA, destaca em um post recente publicado no LinkedIn sobre o assunto.

O QUE O FACEBOOK DEVERIA TER FEITO

Passo 1. Análise e constante monitoramento

Após o recebimento do primeiro alerta. Logo depois da publicação da matéria exclusiva do New York Times e The Guardian, era necessário realizar uma primeira avaliação da gravidade da crise, com base nas métricas internas de análise de incidentes estabelecidas em seus procedimentos de gerenciamento de crise (Eles existiam? Não sabemos). Uma boa avaliação deveria desencadear um plano completo de ação para um dos riscos mais importantes em uma empresa como o Facebook: a exposição de dados de seus usuários. Tudo porque, em uma crise, era preciso manter a liderança da comunicação. O que deveria ter sido feito era tentar comunicar rapidamente e bem, estabelecendo o eixo da história. Se isto não é feito, a lacuna informativa será preenchida com todos os tipos de especulações. A cada minuto que passa sem que se ofereça uma posição, a reputação e o negócio estarão sendo prejudicados.

Passo 2. Estabeleça sua narrativa

Esta deve ser fundamentada em seus valores e, se os seus valores estiverem na origem do problema, será igualmente necessário redefini-los. Seus valores devem estar no DNA da narrativa corporativa para saída de uma crise, nas declarações posteriores e em todos os materiais que você terá que elaborar para alcançar todos os seus stakeholders. Mas é claro, o problema está no core do seu negócio: colocar seus usuários em contato, depois liberar seus dados e que eles se explodam. Obviamente, se a tempestade tem seu epicentro aqui, há um sério problema, porque será preciso reconstruir sua narrativa. É claro que o Facebook está nele, suas mensagens seguiram essa linha, mas o problema é que demoraram muito tempo para posicioná-los, quando a credibilidade e a confiança já haviam ficado no caminho. Tarde. Muito tarde.

Passo 3. Comunique

Não fique em silêncio. Comunique. Faça rápido, mas sabendo o que dizer. Provavelmente só haverá uma chance de acertar. Tudo comunica e, principalmente, o silêncio. Provavelmente optar por ele pode ser a pior das escolhas. É como já foi dito: o silêncio é a porta de entrada para rumores e para a desconfiança. Além disso, geralmente é interpretado como um reconhecimento de culpa. É preciso falar. Ainda mais se este é o Facebook e as redes sociais estão à caça, buscando um culpado. Mas, claro, se você é o Mark Zuckerberg e o grau de identificação com sua empresa é tão alto, há um problema. À maioria dos clientes nós diríamos que não parece uma boa ideia mover a Rainha na primeira jogada do xadrez. O CEO deve ser preservado para quando tudo estiver muito ruim. Mas claro, aqui a coisa estava muito mal desde o início, e nem os usuários nem os meios, nem os Estados, ninguém iria se contentar com outro portavoz que não fosse Zuckerberg. Porque Zuckerberg é o Facebook e o Facebook é Zuckerberg. Então, posto assim, este optou por falar algumas vezes por meio de sua rede, disponibilizar um vídeo e conceder uma entrevista para a CNN dias depois. Portanto, quando é tarde demais, o porta-voz, o único porta-voz possível, deve considerar encarar e comparecer. Oferecer explicações, pedir desculpas, dizer como irão melhorar, e que sentem muito, mas provavelmente este terá que responder a perguntas de mais jornalistas. E, claro, indo ao Senado e ao Congresso como ele fez.

Passo 4. Mobilize sua equipe jurídica e a equipe de Relações Públicas

Sequencialmente este não é o quarto passo e deve ser ativado quase desde o início. Os litígios chegarão e, provavelmente, sanções econômicas e mudanças regulatórias também. As mudanças regulatórias foram destaque em suas aparições parlamentares. De fato, Zuckerberg chegou a reconhecer que alguma regulamentação era necessária. Alinhar-se com estratégia legal é sempre uma boa ideia. Mas cuidado, não pare a defesa da reputação e dos negócios. Lembre-se de que o julgamento reputacional, as penas estabelecidas pelas notícias nos telejornais, é anterior ao banco dos réus.

Passo 5. Continue a monitorar, reavalie e redefina sua estratégia

Uma vez aberta a caixa de Pandora, a guerra será longa para o Facebook e, portanto, a crise não será controlada rapidamente. Há muita coisa em jogo, do ponto de vista político e econômico. O Facebook estará alerta por muito tempo, atento ao vai-e-vem do processo, constantemente medindo e redefinindo estratégias e táticas. A crise só poderá ser controlada quando estiver claro que o dano não crescerá mais para os negócios e para a reputação, e é melhor estarem muito atentos, porque há diversos elementos que podem estar fora de controle, a qualquer momento, reacendendo o incêndio.

Autores

Luis Serrano

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