Política externa dos EUA em relação à América Latina no governo Trump: mudança de tendências

Desde que os resultados das eleições anunciaram Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos em novembro de 2016, especialistas, eruditos, executivos empresariais e outras pessoas que trabalham em questões relacionadas com a América Latina têm entrado em contato com as suas fontes para descobrir como será a política externa do novo governo em relação à América Latina. A incerteza tem reinado a política externa do novo governo em relação à América Latina. A desorientação nesta região após a vitória de Trump, que pegou os líderes latino-americanos – e a maioria do mundo – de surpresa, resultou em previsões negativas sobre o impacto deste governo. Aqueles que ainda não soaram seus alarmes estão, no mínimo, preocupados. Mas ainda não é claro como as variações na política externa dos EUA terão impacto na região, e os analistas já aprenderam que tentar prever as jogadas do Presidente Trump é um negócio arriscado.

Além disso, o governo ainda está no início, e a equipe de política externa do Presidente está apenas tomando forma. Portanto, em vez de exagerar, é aconselhável recuar e pensar estrategicamente sobre como uma presidência de Trump pode mudar a abordagem regional dos Estados Unidos e como o seu impacto pode ser diferente para vários países.

” Os analistas já aprenderam que tentar prever as jogadas do Presidente Trump é um negócio arriscado”

A América Latina, exceto o México, raramente foi mencionada durante a campanha presidencial, e é pouco provável que a região tenha uma importância estratégica para o governo Trump. Na ausência de iniciativas específicas relacionadas com a região, aliada à estratégia clara “America First” (América em primeiro lugar) do governo Trump, este artigo vai defender que a política externa deste governo em relação à América Latina será influenciada por posturas específicas sobre questões que têm funcionado como os três pilares fundamentais da política externa dos EUA na região desde o final dos anos 80: livre comércio, democracia e governação (poder suave) e segurança. As exceções a essas posturas inseridas nos três pilares referidos vão provavelmente ocorrer apenas quando a Casa Branca considerar necessário agradar a um membro do Congresso dos EUA – especialmente um Senador – com interesse em alguma questão de política externa na região. Devemos estar particularmente atentos aos comitês de relações externas e informação, bem como aos subcomitês do Hemisfério Ocidental da Câmara dos Representantes e do Senado. Talvez o Presidente Trump precise fazer acordos para obter apoio essencial, especialmente entre os Republicanos, para aprovar legislação relacionada com a política interna. Essa questão acabará por ser a principal motivação para as decisões tomadas na Casa Branca. Vamos explorar alguns dos detalhes sobre esses pontos.

 A América Latina não é uma prioridade… novamente!

Sejamos realistas: a queda do muro de Berlim mudou os interesses geoestratégicos globais dos EUA e, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a América Latina deixou de ser uma prioridade de política externa para o seu vizinho do norte. O antigo presidente George W. Bush começou a sua presidência em 2000 com fortes intenções de fortalecer laços com a região, simbolizadas pelo convite ao antigo Presidente mexicano Vicente Fox para uma visita à Casa Branca antes de convidar os homólogos europeus ou canadianos. Durante a cerimônia de boas-vindas, Bush declarou que os EUA “não tinham relação mais importante no mundo”[1] do que com o México, um comentário geralmente mais associado com a Grã-Bretanha. Todavia, os ataques terroristas em território do EUA, as guerras que se seguiram no Afeganistão e no Iraque, a batalha com a al-Qaeda e o confronto com o Irã mudaram o foco de sua política externa. Entretanto, o Presidente Obama relegou a região para segundo plano desde o início, em grande parte pelos mesmos motivos geoestratégicos mencionados anteriormente. Além disso, a sua própria iniciativa de política externa se concentrava em um eixo estratégico na direção da Ásia, especialmente devido à rápida ascensão da China, e na obtenção de um acordo nuclear com o Irã. Sua relação controversa com o russo Vladimir Putin, que no início tentou erradamente apaziguar, e a ascensão do Estado Islâmico (ISIS) na Síria e no Iraque também ocuparam a sua agenda de política externa. Os vizinhos a sul dos Estados Unidos ficaram em segundo plano durante a sua presidência.

“o Presidente Obama relegou a região para segundo plano desde o início, (…)sua própria iniciativa de política externa se concentrava em um eixo estratégico na direção da Ásia, especialmente devido à rápida ascensão da China”

A falta de importância estratégica da América Latina para os Estados Unidos não deverá mudar no governo de Trump, tendo em conta a quantidade de questões de política externa urgentes atualmente enfrentadas pela Casa Branca em outras partes do mundo. Esta situação só vai mudar se ocorrer alguma situação inédita na região que possa pôr em perigo a segurança dos EUA. O Presidente Trump raramente referiu a América Latina durante a sua campanha além de usar a NAFTA como principal saco de pancada quando argumentou contra acordos multilaterais de livre comércio e se focar na imigração ilegal proveniente da fronteira EUA-México.

Nomear um Secretário de Estado adjunto para assuntos do Hemisfério Ocidental, o mais alto diplomata dos EUA para a região, não tem sido uma prioridade, uma vez que há outros postos do Departamento de Estado dos EUA a ocupar primeiro. De fato, uma das primeiras contrariedades do Secretário de Estado Rex Tillerson ocorreu durante a primeira semana no cargo, quando o Presidente Trump rejeitou Elliott Abrams, a sua principal escolha para servir como Secretário de Estado adjunto, devido às críticas de Abrams dirigidas a Trump durante a campanha. O cargo acabou por ser ocupado no final de maio, quando o Senado confirmou John Sullivan para o lugar. Antigo Secretário do Comércio adjunto do governo de George W. Bush, Sullivan foi escolhido por Trump para ser o principal advogado do Pentágono, mas, após uma longa busca para preencher a vaga no Departamento de Estado, ele se tornou o candidato em que Trump e Tillerson concordaram para o cargo de Secretário adjunto. Para ser justo, a responsabilidade da morosidade da confirmação de vários cargos no governo não pode ser apenas atribuída à Casa Branca. Os Democratas do Senado também protelaram as audiências de confirmação para todos os departamentos indicados por Trump, para frustração dos Republicanos.

“A falta de importância estratégica da América Latina para os Estados Unidos não deverá mudar no governo de Trump”

Enquanto o mais elevado posto diplomático atual para a região permanece vago, vale a pena assinalar que a administração nomeou pessoas com forte experiência em questões sobre a América Latina para posições essenciais do governo, principalmente na segurança e na defesa. O General John Kelly, diretor de Segurança Interna, foi líder do Comando Sul dos EUA, que, entre outras coisas, supervisiona a cooperação de segurança com a América Latina e o Caribe, exceto o México. O Subsecretário de Gabinete de Assuntos Internacionais de Estupefacientes e Aplicação da Lei, William Brownfield, é um oficial de carreira de relações internacionais com um longo percurso na América Latina, incluindo os cargos de embaixador na Colômbia, na Venezuela e no Chile. Recentemente, foram também adicionados à equipe outros especialistas na América Latina: Sergio de la Peña, um Coronel dos EUA aposentado, que tinha a sua própria empresa de consultoria para aconselhar as empresas americanas sobre como fortalecer relações com os governos latino-americanos, foi nomeado Secretário da Defesa Adjunto para o Hemisfério Ocidental; Juan Cruz, um veterano de carreira da CIA e antigo Chefe de Estação na Colômbia, foi nomeado Diretor para assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional.

Pilares da política externa dos EUA em relação à América Latina… Qual a posição do Governo Trump?

 

Desde o final dos anos 80, a política externa dos EUA em relação à América Latina tem se baseado principalmente em três pilares fundamentais: livre comércio, democracia e governação (poder suave) e segurança. Desde Presidentes Republicanos como Ronald Reagan, George H. W. Bush e George W. Bush a Democratas como Bill Clinton e Barack Obama, todos os governantes norte-americanos têm apoiado essas três áreas, embora com abordagens ligeiramente diferentes.

Livre comércio

O livre comércio é talvez a área de política externa em que a Casa Branca demonstrou maior clareza e consistência nas suas posições. O Presidente Trump se manteve fiel ao seu discurso eleitoral, apesar das opiniões daqueles que defendiam que a sua campanha era mais um espetáculo para atrair os eleitores do que uma explicação das suas próprias políticas de governo. Assim que assumiu a presidência, ele retirou os EUA do acordo de livre comércio Parceria Transpacífico (TPP), que abrangia a Ásia mas também incluía três países latino-americanos (Chile, México e Peru). Ele também reiterou a sua vontade de renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), bem como todos os tratados que “não beneficiam” os Estados Unidos.

Os principais intervenientes no comércio e no investimento estrangeiro que conectam os Estados Unidos e a América Latina vão manter uma estreita relação econômica. Os EUA são atualmente o principal parceiro comercial e o primeiro investidor estrangeiro na América Latina. Em 2016, as exportações dos EUA para a América Latina atingiram 353,4 bilhões de dólares, enquanto as exportações da América Latina para os Estados Unidos totalizaram 397,1 bilhões de dólares.[1] Entretanto, o investimento direto estrangeiro dos EUA na região atingiu 46 bilhões em 2015.

Trump e os seus conselheiros econômicos expressaram ceticismo em relação a acordos multilaterais, favorecendo acordos bilaterais em alternativa. Independentemente da estrutura, os tratados de comércio mais escrutinados serão aqueles em que os Estados Unidos apresentam maiores déficits. Ao analisar os números, torna-se evidente que, ao separar o México da equação, os Estados Unidos têm um excedente comercial global com a América Latina. Naturalmente, esta é uma abordagem muito simplista ao comércio, mas tendo em conta a tendência nacionalista prevalente no cenário político interno dos EUA, o comércio com o México se tornou um alvo fácil durante a campanha e no caminho para a presidência.

As revisões do NAFTA vão com certeza dominar a agenda de comércio. Trump venceu com um forte discurso de defesa dos empregos nos Estados Unidos que desapareceram em resultado de “maus acordos comerciais”, e ele não vai recuar em uma de suas posições fundamentais. Então, a questão é até que ponto o NAFTA vai ser modificado? Em 2016, o déficit comercial dos EUA com o México era de 63 bilhões de dólares, com as exportações dos EUA totalizando os 231 bilhões e as importações ascendendo aos 294 bilhões.[3] A eleição de Trump e a retórica envolvente já provocaram uma desvalorização de dois dígitos no peso, provocando um impacto significativo nas projeções de crescimento do México para 2017 e 2018. No entanto, a revisão do NAFTA também pode ter repercussões negativas para as empresas dos EUA que têm negócios no México, e deverá ser sentida pelos consumidores norte-americanos acostumados a uma grande variedade de produtos a preços baixos, como carros montados no México, peças para automóveis e mesmo abacates, incluídos nos atuais termos do acordo. O México é também um forte aliado dos EUA em matéria de segurança, desempenhando um papel importante no controle dos fluxos de narcotráfico e de imigração. Essas são questões sensíveis e prioritárias para os Estados Unidos, e a cooperação com o México nessas áreas é crucial. Certamente serão feitas alterações ao acordo NAFTA, mas teremos de ler as letras pequenas para avaliar a gravidade do seu impacto.

O outro acordo de livre comércio multilateral na região, o Tratado de Livre Comércio entre a República Dominicana e a América Central (CAFTA-DR) entre os Estados Unidos, a América Central e a República Dominicana, que também poderá ser revisto, não deverá sofrer muitas alterações considerando o excedente comercial dos EUA de 5,5 bilhões de dólares em 2016.

Nos acordos bilaterais de livre comércio com o Chile e o Peru, os Estados Unidos também têm um excedente de 4,1 bilhões de dólares e 1,8 bilhões de dólares, respectivamente. No caso da Colômbia, o governo Trump vai provavelmente olhar além dos números e usar o Acordo de Promoção do Comércio Estados Unidos – Colômbia (TPA) como ferramenta para mais negociações. O déficit comercial dos EUA com a Colômbia atingiu 696,3 milhões em 2016, mas neste caso o acordo comercial bilateral pode desempenhar um papel importante nas negociações globais com um aliado essencial nos esforços para restringir o tráfico de drogas. Isso inclui as conversações da iniciativa Peace Colombia, que receberam uma pacote de ajuda de 450 milhões de dólares em 2017 do governo Obama para proporcionar desenvolvimento, assistência militar e de segurança, e ainda apoio para a construção de instituições. As perspectivas de ajuda dos EUA em 2018 para a Peace Colombia na proposta de orçamento de Trump preveem uma diminuição de 21 por cento comparativamente ao financiamento do ano fiscal de 2016.[5] Além disso, a cooperação da Colômbia com os Estados Unidos em relação à evolução da crise política na Venezuela também pode ser um fator em novas negociações com impacto nas relações Colômbia – EUA.

“Es probable que la administración Trump vaya más allá de las cifras comerciales y utilice el tratado de libre comercio con ese país [Colombia] como una herramienta para ampliar las negociaciones”

O comércio com os Estados Unidos continuará sendo importante para outros países da América Latina. Depois do México, o Brasil continua sendo o parceiro comercial mais importante da região. Em 2016, o excedente comercial dos EUA com o Brasil era de 4,1 bilhões de dólares, com as exportações dos EUA totalizando 30,3 bilhões e as importações ascendendo aos 26,2 bilhões. Sem acordos de livre comércio implementados ou com implementação prevista, não se espera que existam alterações significativas. Na verdade, ter um bom relacionamento com Trump e a sua equipe, como no caso do Presidente argentino Mauricio Macri, pode conduzir a resultados positivos, especialmente quando a questão não está sob os holofotes da mídia e não tem repercussões políticas para o presidente. Após a visita de Macri à Casa Branca, o Departamento de Agricultura dos EUA anunciou que iria retirar a proibição de importação de limões argentinos. Essa decisão permitiu aos Estados Unidos importar limões do país da América do Sul, um dos maiores produtores do mundo, apesar da oposição de produtores da Califórnia, curiosamente um estado onde o presidente não recebeu muito apoio durante as eleições. O Presidente Macri tem trabalhado ativamente para estabelecer uma parceria estreita com Washington, posicionando a Argentina como parceiro de confiança na região e tirando partido da sua a relação pessoal com Trump decorrente de negócios imobiliários do passado. Além disso, os Estados Unidos registaram um excedente comercial com a Argentina de 3,9 bilhões de dólares em 2016.

Democracia e governação (soft power)

O termo “poder suave” foi definido por Joseph S. Nye, professor da Universidade de Harvard, como “a capacidade de afetarmos os outros para obtermos os resultados que pretendemos através da atração e não da coerção ou de pagamento”. Ao longo das últimas décadas, ele tem sido uma das áreas de maior destaque na política externa dos EUA em todo o mundo e um marco nas relações dos EUA com a América Latina. Os Estados Unidos fizeram bom uso desta abordagem para construir boas relações com outros países e para reforçar a sua posição como líder mundial. Essa abordagem se estende à cultura, ao idioma, às tradições e aos valores dos EUA para todo o mundo, popularizando o “Estilo de vida americano” e influenciando opiniões e políticas. Essa tendência tem aumentado exponencialmente devido ao progresso de novas tecnologias, da mídia, da era da informação e das redes sociais.
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A promoção da democracia e da governação tem sido o foco desses esforços. O seu principal veículo tem sido a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), fundada em 1961 para promover o desenvolvimento econômico e os programas sociais através de assistência internacional. Desde os anos 90 que o foco da USAID na América Latina tem incidido sobre a promoção da democracia e da boa governação, com programas notáveis no México, na América Central, no Caribe e na região andina. Em particular, a Colômbia tem sido um país fundamental, tendo em conta que a assistência militar através do Plano Colômbia foi rigorosamente acompanhada por programas com o objetivo de reforçar o Estado de direito e a boa governação em áreas nas quais o governo se encontrava recuperando das guerrilhas durante as décadas da Guerra Civil.

Essa área vai provavelmente viver o maior revés relativamente à política externa na região. O governo Trump assinalou, de forma clara, o seu desinteresse pela promoção de governação democrática ou pela imposição dos valores norte-americanos de liberdade e democracia. Essa situação se tornou evidente quando o Secretário de Estado Rex Tillerson se dirigiu aos membros e diplomatas do Departamento de Estado para destacar a visão “America First” (América em Primeiro Lugar) de Trump relativamente ao envolvimento com o mundo. Tillerson enfatizou que as políticas e valores não estão necessariamente alinhados, indicando que, se os Estados Unidos condicionarem as suas políticas externas em outros países que adotem esses valores, “é, de fato, criado um obstáculo à [sua] capacidade de avançar nos [seus] interesses de segurança nacional e econômicos.O lema “America First” (América em Primeiro Lugar) do presidente Trump, ao nível da política externa, traduz-se em colocar acima de tudo aquilo que ele vê como contributo para a prosperidade econômica e para a segurança nacional americana.

“América Latina tem incidido sobre a promoção da democracia e da boa governação”

O orçamento para 2018 do governo Trump requer cortes de 32 % nos orçamentos do Departamento de Estado e da USAID, incluindo ajudas norte-americanas à América Latina de 36 %. A assistência norte-americana ao México será reduzida em 45 %, as ajudas à Guatemala em 38 %, às Honduras em 31 % e ao Haiti em 18 %. Os cortes propostos afetam uma série de programas de assistência a nível global, com áreas como a educação e as trocas culturais a sofrerem cortes superiores a 50 %. O orçamento será certamente alterado pelo Congresso, apesar de não se saber em que medida. No entanto, isto representa uma alteração na política norte-americana relativamente a esta área.

President Donald Trump jointly with Marco Rubio (right side), Rick Scott and Cuban dissidents

Apesar desses significativos ajustes na política, os pontos-chave na democracia e nos direitos humanos, importantes para os legisladores republicanos norte-americanos, continuam ganhando alguma relevância, tendo em conta que o Presidente Trump vai precisar do apoio desses legisladores para prosseguir com a sua agenda. Por exemplo, o presidente terá provavelmente que se envolver, quer queira quer não, em questões como as de Cuba e da Venezuela, casos regionais prementes nos quais os principais senadores como Marco Rubio vão desempenhar funções de influência na formulação da política norte-americana. De fato, isso já levou Trump a rescindir partes das ordens executivas de Obama relacionadas com viagens e negócios com Cuba, argumentando que Havana tinha recebido demasiadas concessões de Washington sem retribuir, especialmente na área dos direitos humanos. Isso é algo que o presidente pode implementar rapidamente sem grandes consequências políticas internas. Embora alguns políticos e empresas dos EUA desejassem ter maior acesso ao mercado cubano, a realidade é que poucos deles terão perdas se as regulamentações de comércio e viagens com a ilha forem novamente restringidas.

Segurança

O pilar da segurança tem sido sempre uma prioridade para os governos dos EUA no que diz respeito à América Latina. Certamente as principais questões de segurança para os Estados Unidos continuarão sendo provenientes do Oriente Médio, ocupando o Presidente Trump e a agenda de segurança da sua equipe. Comparativamente às crises na Síria e no Iraque, e às ameaças de grupos terroristas do Oriente Médio, da África e da Ásia, a América Latina é uma região estável. Mesmo assim, a proximidade geográfica com a América Latina representa que potenciais tumultos na região possam se transformar em ameaças à segurança dos Estados Unidos, tornando este pilar um importante foco de atenção da abordagem dos EUA aos seus vizinhos do sul.

 

Os elevados níveis de criminalidade no México têm um impacto direto na luta contra o narcotráfico e o controle da fronteira dos EUA, com o desafio acrescido de as organizações criminosas transnacionais operarem em ambos os lados dessa fronteira. Essa situação é agravada pela crescente violência no triângulo norte da América Central – El Salvador, Honduras e Guatemala – onde uma grande onda de violência entre gangues também está facilitando as rotas de tráfico de droga para os Estados Unidos. Por sua vez, essa conjuntura tem estimulado a imigração, uma vez que as pessoas fogem da violência em uma das regiões mais perigosas do mundo onde, apenas em 2015, houve mais de 17.000 mortes violentas.[1] A produção de drogas está novamente em ascensão na Colômbia. Um longo processo de paz que resultou em um acordo histórico entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) foi inadvertidamente acompanhado de um cultivo de coca e produção de cocaína recorde, bem como da expansão de gangues criminosos. Os corredores de narcotráfico encontrados no Peru, na Bolívia e no Paraguai, que se estendem para zonas da Argentina e do Brasil, continuam sendo um desafio para a região, assim como os fluxos de drogas em expansão no Caribe – particularmente na Jamaica, na República Dominicana e no Haiti – que também podem ter consequências para Washington.

[1] Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) (dezembro de 2016). Obter crescimento e segurança no Triângulo Norte da América Central. Obtido em 2 de junho de 2017, emhttps://csis-prod.s3.amazonaws.com/s3fs-public/publication/161201_Perkins_NorthernTriangle_Web.pdf

O foco na segurança vai continuar sendo uma prioridade de topo para o governo Trump, mas é pouco provável que a abordagem seja modificada. O orçamento inicial proposto pela Casa Branca, ainda em análise por parte do Congresso, inclui reduções em áreas de segurança, mas eles são tênues em comparação com os cortes para o auxílio de desenvolvimento. O foco na cooperação de segurança estará provavelmente nas iniciativas “difíceis”, como os programas de cumprimento e interdição. Quando se trata de travar o fluxo de drogas, os Estados Unidos reconhecem ser parte do problema, dada a elevada taxa de consumo nas suas próprias fronteiras. Todavia, embora reconheçam o problema de demanda dos EUA em recentes reuniões com oficiais de alto nível da Colômbia e do México, o Secretário Tillerson e o Diretor de Segurança Nacional, o General John Kelly, continuam assinalando a importância de os seus vizinhos latino-americanos aumentarem os seus esforços de luta contra as drogas.

Outro fator que recebe atenção por parte da área de segurança é a identificação e a neutralização de potenciais células de grupos terroristas na América Latina, com o objetivo de perturbar as suas relações com cartéis de droga e o crime organizado. Várias autoridades dos EUA expressaram a sua preocupação sobre essa questão, e o governo Trump enviou mensagens indicando que ela vai fazer parte da sua agenda de segurança. Notícias recentes revelaram que entre 100 e 130 cidadãos de Trindade e Tobago deixaram o país para se juntar ao Estado Islâmico (ISIS) na Síria e no Iraque desde 2013. Esses dados fazem da nação insular de 1,3 milhões de pessoas o país com a percentagem mais elevada de recrutas do Estado Islâmico (ISIS) no Hemisfério Ocidental.[1] Entretanto, o Diretor de Segurança Nacional, o General John Kelly, mostrou preocupação sobre o estabelecimento de mais de 80 “centros culturais” do Irã na América Latina, uma região com baixa população muçulmana. “O envolvimento do Irã na região e esses centros culturais são preocupantes, e esse envolvimento diplomático, econômico e político é monitorado de perto”, afirmou Kelly. O diretor de segurança nacional também avisou que entre 100 e 150 pessoas da América Latina e do Caribe viajam para a Síria para se juntar ao Estado Islâmico (ISIS) todos os anos.[2] Outros questionam a gravidade dessa ameaça, afirmando que essas potenciais células inativas estão adormecidas desde que a questão ressurgiu após os atentados de 11 de setembro.

” O foco na cooperação de segurança estará provavelmente nas iniciativas “difíceis”, como os programas de cumprimento e interdição “

O tema da segurança está intimamente relacionado com questões internas, e esta Casa Branca vai estreitar essa ligação. O financiamento global para a segurança vai aumentar, mas provavelmente terá um componente interno. O orçamento da Casa Branca solicitou 44,1 bilhões de dólares para o Departamento de Segurança Interna, destinado para infraestruturas nas fronteiras e controle da imigração. Desse valor, 1,6 bilhões estão destinados à construção do muro entre a fronteira EUA-México que Trump prometeu em sua campanha, que continua gerando controvérsia entre Washington e a América Latina. Este financiamento também será usado para aumentar o número de agentes de patrulha de fronteira e funcionários de controle alfandegário e de imigração. O Congresso dos EUA terá a palavra final na distribuição dos fundos.

 

Olhar para o futuro

Embora ainda seja muito cedo para dizer como serão as relações entre os EUA e a América Latina no governo Trump, as pistas históricas – bem como um olhar mais atento às ações iniciais e mensagens dos membros principais do novo gabinete – dão-nos uma ideia do que podemos esperar para os próximos quatro anos. Na visão “América Primeiro”, o livre comércio, a democracia e a governação, bem como a segurança – os três pilares que moldaram o envolvimento dos EUA na América Latina desde os anos 80 – deverão ser modificados para uma abordagem mais pragmática considerada por este governo como favorecedora dos interesses econômicos e de segurança nacional dos EUA acima de todo o resto, apesar de algumas exceções. No caso do comércio, a futura revisão do NAFTA deverá criar ondas e estabelecer novos parâmetros para o relacionamento EUA-México. Os acordos bilaterais existentes com países como o Peru, o Chile e a Colômbia não deverão sofrer grandes modificações, enquanto que as novas alianças, focadas em termos econômicos mutuamente benéficos, com países como a Argentina, poderão estar em ascensão. Entretanto, os valores americanos como a democracia, a governança e o apoio aos direitos humanos, intrínsecos ao envolvimento dos EUA na região nas últimas três décadas, deverão ficar em segundo plano face a iniciativas que promovam a prosperidade econômica e a segurança nacional. Mesmo assim, tendo em conta que a ajuda americana para os esforços de ajuda ao desenvolvimento, governança e educação deverá sofrer cortes significativos, os programas de segurança focados em iniciativas difíceis, como o cumprimento e a interdição, não deverão sofrer alterações – um sinal forte de que a segurança continuará sendo uma prioridade no governo Trump. Existe ainda um grande nível de incerteza em relação ao futuro das relações EUA-América Latina com Trump, mas a política externa em relação à região deverá refletir as prioridades pragmáticas gerais estabelecidas por este governo dos EUA.

Erich de la Fuente es socio y CEO de LLORENTE & CUENCA en Estados Unidos. Tiene un Máster en Estudios Latinoamericanos por la Escuela Diplomática de la Universidad de Georgetown, es licenciado en relaciones internacionales por la Universidad Internacional de Florida, y está realizando su doctorado en filosofía en el programa de la Universidad de Naciones Unidas-Universidad de Maastricht. Erich habla español, inglés, portugués, italiano y ruso. Previamente, fundó en 2001 EDF Communications. Erich se ha especializado en el diseño e implementación de estrategias de comunicación corporativa, asuntos públicos, comunicación interna y crisis, y es analista político y arquitecto de iniciativas internacionales de anticorrupción y buena gobernabilidad. [EE. UU.]

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